Volta às aulas: uma faca de dois gumes

Com a volta às aulas nos países europeus, muitos brasileiros defendem o retorno gradativo das escolas públicas e privadas. Será que aqui, podemos realmente ir nesse embalo?
Quase duas semanas após a reabertura das escolas, protocolos utilizados em sete países foram considerados casos de sucesso pela ONG Vozes da Educação que analisou a situação da volta às aulas de 20 países. Singapura, Dinamarca, China, Portugal, Alemanha, França e Nova Zelândia adotaram medidas como distanciamento social, comunicação clara do governo, e planos de contingência para identificar e isolar rapidamente novos casos de COVID-19.
Na França ocorreram distribuição de cartilhas com orientações sobre o que é permitido ou não dentro da escola, redimensionaram e redistribuíram fisicamente os alunos obedecendo a distância recomendada e se três crianças forem confirmadas para Covid-19 a escola inteira é fechada.
A Espanha também retomou presencialmente o calendário escolar. Oito milhões de alunos retornaram às aulas após seis meses de paralização. Para o epidemiologista e porta-voz do governo espanhol, Fernando Simón, eles estarão atentos para verificar o impacto da volta às aulas nos próximos dias.
Os países europeus, que retomaram às aulas, conseguem manter o distanciamento social estipulado pela Organização Mundial de Saúde de 1,5 m a 2 m entre alunos, professores e colaboradores, mas e o Brasil?
O consórcio de veículos e Imprensa, divulgou no dia 07 de setembro, feriado no País que contou com praias, cidades turísticas e bares lotados, o número de 127 mil pessoas mortas por causa da Covid-19. Estima-se que no total 4.147.598 pessoas já se contaminaram no país desde o início da pandemia. A média móvel de mortes registrou uma queda de 17% em 14 dias, porém isso não pode servir de base para a decisão do retorno presencial às escolas.
Vamos analisar um dos motivos que não podemos nos equiparar às escolas da Europa:
Distanciamento Social: Como comportar presencialmente o número de alunos matriculados tanto no sistema de educação privado quanto no público respeitando o distanciamento de segurança estipulado pela OMS?
O distanciamento físico também é uma das principais preocupações sobre o Brasil do último Relatório divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Segundo o relatório “a necessidade de reduzir o tamanho das turmas pode depender de outros fatores, como espaço físico, a disponibilidade de salas e funcionários, e decisões pessoais dos alunos e funcionários sobre o retorno à escola".
Na contra partida de manter as escolas fechadas, as consequências para a Educação em países mais pobres serão indiscutivelmente mais desastrosas do que em países que conseguem oferecer melhores condições para os alunos acompanharem o ensino a distância. Alunos de origem privilegiada, apoiados por seus pais e estimulados a aprender, possuem oportunidades de encontrar caminhos alternativos de aprendizagem apesar das portas fechadas nas escolas. Já as pessoas de origem menos favorecida frequentemente permanecem sem acesso ao estudo quando suas escolas fecham", afirma a OCDE. Famílias brasileiras inteiras já retornaram à sua rotina de trabalho, enquanto suas crianças estão longe da escola, sem merenda e por vezes sem assistência de um adulto. Se você perguntar para um desses pais que voltou ao trabalho e precisa deixar seus filhos à mercê da sorte, pois não temos escolas abertas, o que ele prefere, obviamente a sua situação de vulnerabilidade pesará sobre a decisão do retorno às aulas.
No Brasil essa questão é uma “faca de dois gumes”, se por um lado a volta às aulas representa um perigo em relação ao aumento do contágio da Covid-19, pelo outro, quando grita a vulnerabilidade social, ter os filhos na escola é questão de segurança e garantia de alimentação com a merenda. Com três meses para o final do ano letivo, os governantes e gestores de escolas devem avaliar com seriedade questões de infraestrutura, a criação dos protocolos de segurança, medidas de fiscalização, controle e contingência de novos casos. De todas as boas práticas europeias que costumamos incorporar em nossa cultura, a precaução deve ser a mais importante.
Maria Rassy Manfron – Mestranda do Programa de Mestrado Profissional em Governança e Sustentabilidade do ISAE Escola de Negócios.